Drishtis e Trataka
Só se vê bem com o coração, mas o yoga ocular terapêutico pode dar uma boa ajuda
Drishtis e Trataka (dṛṣṭi e trātaka)
Admiro todos os órgãos dos sentidos, mas se há um a que dou especial valor são os olhos. Eles permitem-nos desfrutar do mais belo que existe ao nosso redor, pese embora que tal como refere Saint Exupéry no encantador Principezinho: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.” Mas os olhos são o espelho da alma, a porta de entrada para o que é processado pelo nosso cérebro e sentido no nosso coração. Isto é razão mais do que suficiente para os tratarmos muito bem e o yoga pode ajudar.
O yoga tem dois tipos de exercícios que se fazem com os olhos: drishtis e tratakas.
Falamos de drishtis quando, durante uma prática de yoga, os nossos olhos fixam um ponto em concreto com o intuito de nos concentrarmos ainda mais e fecharmos as portas de entradas sensoriais. Os drishtis têm, contudo, reduzida relação com a visão física, pois o verdadeiro olhar é interior, é para dentro de nós, servem para dirigir a atenção aos aspetos mais subtis como a nossa respiração e a nossa mente e desviar a atenção do colega que pratica ao lado, do relógio na sala, do cabelo do tapete, etc.
E se a mente não está distraída com o que acontece à nossa volta, então o drishti serve o seu maior propósito, ele é como um microscópio que nos vai fazer observar e analisar o que é impossível ver externamente, ou seja, existe tensão corporal nalgum ponto em concreto? Como está a nossa respiração? Onde está a nossa consciência? Porque estamos aqui a praticar?
Há praticantes de yoga que têm dificuldade ou simplesmente não são convidados a fazer drishtis quando fazem posturas físicas, se é esse o caso devemos lembrar-nos que o nosso olhar segue o alongamento que estamos a fazer. Se se trata de uma anteflexão, olhamos para baixo, se alongamos braços para cima, o nosso olhar segue as mãos, se torcemos o tronco à direita, o olhar mira sobre o ombro direito e assim por diante. Não obstante fica a informação que existem nove pontos de foco exatos ou drishtis a serem utilizados conforme a posição física (āsana) que estivermos a desenvolver: a ponta do nariz, o ponto entre as sobrancelhas, o umbigo, a mão, os dedos dos pés, ao longe e para a direita, ao longe e para a esquerda, os polegares e para o céu.
Trataka é uma técnica de purificação ocular, trabalhamos com os olhos, rodando o globo ocular ou fixando durante bastante tempo um dedo, um objeto, uma vela, a lua, o sol no fim do ocaso, ao ponto de lacrimejarem, permitindo assim a limpeza ocular.
São estes os exercícios de yoga terapêuticos que aliviam a ansiedade e também problemas nos músculos oculares. Devem ser exercitados sem óculos e quem padece de doenças oculares, tais como glaucoma, inflamação nos olhos, cataratas, descolamento da retina, conjuntivite ou outras enfermidades, só deverá fazer estas práticas após consultar o seu oftalmologista.
Os tratakas relaxam e revitalizam os músculos oculares, estimulam a circulação dos humores aquosos e ajudam na correção de uma visão deficiente.
Refiro de seguida e de modo sumário quatro exemplos de tratakas:
- friccionar as mãos até aquecerem e colocar as palmas das mãos sobre as pálpebras; pestanejar rapidamente dez vezes, fechar os olhos durante vinte segundos e repetir a ação;
- exercício de visão lateral na posição sentada, com os braços esticados aos lados e os polegares para cima, a cabeça voltada para a frente sem se voltar e exercitar a visão periférica sendo o foco um polegar, ponto entre as sobrancelhas, outro polegar, ponto entre as sobrancelhas e assim sucessivamente;
- com a cabeça direita olhar um polegar à frente e de seguida desviar o olhar para o outro polegar num braço esticado lateralmente, depois trocar. Este tipo de olhar melhora a coordenação dos músculos médios e laterais;
- olhar fixamente uma vela acesa sem pestanejar.
Existem muitos outros exercícios terapêuticos que se podem fazer com os nossos olhos, a ideia aqui não é a sua descrição exaustiva, mas tão somente um despertar para mais uma das belas práticas que o milenar yoga coloca à nossa disposição.
Contudo devemos lembrar-nos que o yoga aponta como principal foco o nosso olhar para dentro de nós. Conseguimos ver tudo o que interessa, na verdade. Se fizermos yoga de olhos fechados, conseguimos visualizar e alinhar muito bem um braço esticado para cima com o nosso ombro, um alongar perfeito da coluna vertebral, uma torção de tronco a incidir na parte abdominal, etc.
Não resisto a referir que numa viagem à Índia fizemos um tipo de yoga curioso e até excêntrico. Consistia em fazer uma refeição completa de olhos fechados. Uns gostaram, outros detestaram, na parte que me toca acho que é uma experiência a fazer pelo menos uma vez na vida para, por uma vez que seja, darmos valor aos alimentos que ingerimos, potenciarmos e sentirmos bem o seu sabor, deixarmos que as distrações sejam muito menores, tentarmos visualizar o percurso dos alimentos, entre outras sensações. O certo é que voltar o olhar para dentro traz mais consciência do que se está a fazer no presente.
Texto escrito por Cristina Diniz