Marichyāsana, a postura do sábio Marichi

Marichyāsana, a postura do sábio Marichi

Torção de tronco

As práticas de Haṭha yoga são momentos que nos fortalecem, tranquilizam e equilibram no plano físico, mental e emocional.
É um tempo dedicado unicamente à pessoa em si, sem momento algum de comparação com os outros à volta e durante o qual se procura voltar a atenção total ao que está a acontecer no nosso corpo, contemplando também os nossos sentimentos e aproveitando para estarmos conscientes dos pensamentos que vão ocorrendo, sem que nos agarremos a nenhum deles em particular, deixando, ao invés, que passem como nuvens sem nos apegarmos a eles. No final o resultado é sempre bom, mesmo que umas vezes com mais sentido e facilidade e outras não tanto assim, o saldo é sempre positivo e terminamos revigorados.
Uma prática equilibrada e completa inclui algumas fases que se vão desenrolando naturalmente. Começamos com um aquietamento inicial onde a pessoa é convidada a voltar a atenção para dentro de si, observando a sua respiração a acontecer, deixando de lado a agitação do quotidiano, tentando não fazer planos para o futuro e simplesmente aproveitar o único momento que podemos vivenciar e efetivamente influenciar, e esse momento é o “agora”, o tempo presente. Após esse aquietamento inicial, as técnicas são diversas e incluem exercícios específicos de controlo e expansão da respiração (prāṇāyāma), vocalização de sons (mantras), posturas físicas (āsana), relaxamento profundo (yoganidrā) e meditação. O tempo e a sequência dedicados a cada uma dessas técnicas são determinados por quem esteja a guiar a prática ou pelo próprio, caso se trate da sua prática pessoal.
As posturas físicas (āsana) incluem posturas de pé, sentadas e deitadas, divididas em anteflexões, retroflexões, lateroflexões, posturas de torção, de equilíbrio e de inversão do corpo.
Abordamos agora uma postura sentada de torção de tronco.
Marichyāsana significa postura de Marichi. No yoga abre-se muitas das vezes um cenário mitológico encantador. Aqui não será exceção, pois Marichi é um grande sábio, filho de Brahma, o deus da criação e avô de sūrya, o deus sol. Literalmente significa raio de luz.
Marichyāsana tem várias variantes e graus de complexidade, uma das mais simples e com magníficos benefícios consiste em ter os glúteos bem assentes no chão, esticar uma perna à frente, por exemplo a esquerda, com os dedos dos pés ativos e flexionados, a apontar para o céu e não em ponta. A perna direita flete, calcanhar junto ao ísquio, joelho em direção ao céu. O braço esquerdo abraça o joelho direito ou simplesmente a mão esquerda agarra o joelho direito e a mão direita apoia no chão, atrás das costas, junto à base da coluna vertebral, com toda a palma da mão apoiada no chão ou apenas com as pontas dos dedos.
Nesta posição, inspiramos lenta, consciente e profundamente, tracionando ao máximo a coluna vertebral e expirando o ar lentamente, torcemos o tronco para a direita, a partir da zona abdominal, procurando olhar sobre o ombro direito.
Mantemos a postura durante cinco respirações completas, ou seja, inspirando pelas narinas calma e profundamente, desde a parte baixa do tronco, parte média e, por último, parte superior ou clavicular e expiramos também pelas narinas, lenta e gradualmente no sentido inverso, libertando o ar primeiro da parte superior do tronco, parte média e por último da parte abdominal.
Durante essas cinco respirações completas, sempre que inspiramos tracionamos a coluna e sempre que expiramos vamos um pouco mais longe na torção, salvaguardando para que a mesma seja feita maioritariamente na parte abdominal e não na cabeça ou ombros. Aos poucos procura-se que o ombro esquerdo esteja alinhado com o direito.
Expirando, desfazemos a postura, tronco e cabeça voltam ao centro e construímos a postura para o outro lado, esticando bem agora a perna direita, fletindo a esquerda e fazendo de novo os passos atrás descritos, sendo que é o braço direito que agora abraça o joelho esquerdo, a mão esquerda que está atrás na base da coluna, o nosso tronco roda para a esquerda e o olhar é sobre o ombro esquerdo.
É muito importante salientar que a torção implica tração. Quanto maior for a extensão da coluna vertebral, mais fácil será respirar profundamente. Devemos alongar a coluna vertebral em movimento espiral, tendo em conta que a própria ação das forças opostas criadas entre o joelho e a mão ou o braço vai facilitar os processos do alongar da coluna e da torção do tronco.
Nunca é de mais lembrar que devemos ter plena consciência do que estamos a fazer e, não menos importante, devemos saber escutar o nosso corpo, pois ele vai dar-nos indicações preciosas sobre os seus limites e até onde devemos ir.
Existem contraindicações para as mulheres grávidas, pois as suas torções de tronco devem ser muito suaves. As pessoas que sofram de úlceras pépticas, hérnias ou hipertiroidismo devem praticar esta postura sob vigilância de um professor experiente.
Os benefícios da pose são o exercitar e alongar dos músculos das costas e abdominais, enquanto os músculos do outro lado fazem a torção. A flexibilização e elasticidade da coluna vertebral e a tonificação dos nervos espinhais. Alívio das dores nas costas e no pescoço e de lombalgias. Os órgãos abdominais ficam mais saudáveis e tonificados, com melhor circulação sanguínea e irrigação de sangue novo depois de desfazer a torção e a vigorosa contração dos mesmos. Aumento do poder digestivo e do fluxo de energia na região do umbigo, estimulando o pâncreas, os rins, estômago, intestino delgado, fígado e vesícula biliar, aliviando distúrbios associados a essa zona como flatulência ou prisão de ventre. E acresce que emagrece!
Também existe uma melhoria subtil ao nível psíquico e emocional pois uma torção controlada representa para certas pessoas um desfazer de laços e de problemas com os quais muitas vezes é difícil lidarem, são posturas que implicam uma outra visão e inspiram a um desfazer dos nós da vida.


Texto escrito por Cristina Diniz